domingo, 22 de maio de 2011

GUERRA DOS MUNDOS


Às oito horas da noite de dia das bruxas, em 30 de outubro de 1938, Orson Welles começou a transmitir uma dramatização de "A Guerra dos Mundos" de H.G. Wells pela estação de rádio CBS. Por uma hora ingênuos trechos de música seriam interrompidos por flashes realísticos de radialistas cada vez mais desesperados à medida que iam descobrindo e relatando que explosões em Marte e meteoritos caindo na Terra eram na verdade uma invasão alienígena em pleno curso capaz de vaporizar nossas melhores defesas com ‘raios de calor’. Sete mil homens marcharam contra uma única máquina de guerra marciana, pouco mais de uma centena de sobreviventes sobraram na trágica batalha em Grovers Mill, Nova Jérsei. O nosso mundo estava sendo aniquilado, e essa era a travessura de Halloween de Welles.
welles ceticismoMilhares de pessoas que sintonizaram o programa um pouco depois e perderam o aviso inicial de que uma dramatização estava prestes a começar teriam que esperar quarenta minutos até que uma breve nota da CBS repetisse que o programa de rádio era… um programa de rádio. Nesse meio tempo podia-se ouvir diretamente do front de batalha o ofegar nervoso dos radialistas, os gritos da população, declarações de oficiais do governo americano admitindo uma invasão alienígena mas pedindo por calma e até os sons aterrorizantes de destruição marciana.
O pânico dramatizado compreensivelmente se tornou real, contrariando o inútil e fictício pedido do governo americano. As pessoas que ouviram trechos do programa começaram a fugir desesperadas para lugar nenhum, lotando as estradas; ou tentavam se esconder em celeiros. As mais corajosas carregaram suas armas e saíram à procura dos monstros marcianos, mesmo que acabassem atirando em caixas d’água, razoavelmente parecidas com as máquinas de guerra alienígenas. Houve relatos de pessoas dizendo poder ver as nuvens de fumaça dos campos de batalha, mesmo que os campos de batalha estivessem em uma pacata noite de Halloween. Algumas pessoas até enrolaram toalhas molhadas em volta da cabeça na esperança de se proteger do gás venenoso marciano, ignorando os avisos de que nem máscaras de gás funcionavam. Talvez porque tenham dito que o gás era uma fumaça negra, alguns tenham imaginado que poderiam agir como em um incêndio.
Às nove horas o programa terminava e Welles confortava o público assegurando que o mundo não havia acabado e que tudo havia sido uma brincadeira de Halloween. "… Nós não podíamos ensaboar suas janelas e roubar os portões de seus jardins até o amanhecer … então fizemos o melhor que podíamos. Aniquilamos o mundo frente a seus ouvidos …".
A travessura de Welles mudou o mundo. Na mesma época, o regime nazista já se aproveitava do poder do rádio, mas havia todo um regime poderoso por trás da máquina de propaganda. Welles provou que apenas o rádio, sem todo um regime por trás de si, poderia levar as pessoas a acreditar em algo totalmente absurdo – a invasão do planeta por marcianos – demonstrando o real poder da comunicação em massa. E que demonstração! No dia seguinte os jornais falariam sobre o pânico em primeira página e as pessoas, principalmente as que foram enganadas, estavam indignadas. Houve pressão para que Welles fosse punido e a favor de leis impedindo que algo assim jamais se repetisse. Segundo eles, Welles teria gritado ‘Fogo!’ em um teatro lotado.
Mas esse certamente não foi o caso. É impressionante, mas naquela mesma estação, naquele mesmo horário Welles transmitia regularmente um programa popular de dramatizações, ‘direto do Mercury Theater’. Ou seja, muitos sabiam que aquele programa deveria ser uma dramatização. Além disso, a introdução avisava que Welles apresentaria uma dramatização de ‘A Guerra dos Mundos’. A dramatização ininterrupta durou apenas 40 minutos, quando foi feita uma pausa avisando novamente sobre o programa em andamento. Ao final de uma hora, Welles ainda viria confortar seus ouvintes mais uma vez. A despeito de tudo isso, o programa conseguiu criar um grande pânico, demonstrando que a maior parte das pessoas que se assustaram ouviram pequenos trechos e saíram desesperadas anunciando a batalha interplanetária. O que é uma demonstração ainda maior do poder da comunicação: em poucos minutos, quem sabe em poucos segundos, muitos se convenceram através do rádio ou de pessoas que estavam ouvindo o rádio de que os marcianos estavam nos invadindo!
Quão irônico não é que até hoje pessoas que mal ouviram trechos do programa de Welles ainda são levadas a acreditar em erros. Um dos pilares da UFOlogia popular é o mantra ufológico, segundo o qual ‘Provas de que os extraterrestres estão aqui não existem porque os extraterrestres estão aqui‘. Ou seja, o governo esconde as provas de que os extraterrestres estão aqui porque eles estão aqui e esta revelação supostamente causaria pânico generalizado. E então, do nada se cita o exemplo de Welles e como ele ilustraria o pânico que a revelação de um contato geraria na população.
Que alguém fale de contato com extraterrestres ao citar a transmissão de Welles revela o quanto a desconhece completamente. Welles dramatizou uma invasão alienígena, não um simples contato. Era a dramatização de ‘Guerra dos Mundos’, não de ‘Contato dos Mundos’. Uma das primeiras coisas que os marcianos fazem é vaporizar pessoas. Tudo isso é óbvio, mas algumas pessoas parecem não conseguir entender que uma invasão alienígena certamente causaria pânico, independente de como seja divulgada. Sinceramente, se eu soubesse que há máquinas marcianas andando por aí desintegrando todas as pessoas que vê pela frente, entraria em pânico e não vejo como qualquer pessoa normal não ficaria em pânico por pelo menos alguns momentos. Hoje em dia porém nós já estamos mais vacinados em relação à mídia, e mesmo que a CNN mostrasse vídeos de marcianos pousando muitos procurariam informar-se melhor antes de enrolar toalhas molhadas na cabeça.
É importante notar também que Welles estava pregando uma travessura de Haloween, e que ele pretendia causar certo pânico embora talvez não esperasse ter tanto sucesso. Ao ouvir a transmissão, até se pode compreender como as pessoas se assustaram: a dramatização é muito realista e tem um fôlego de filme de ação. O talento de Welles é indiscutível, e ele é também lembrado por seu filme ‘Cidadão Kane’, considerado o melhor filme de todos os tempos. Se ele queria causar pânico, certamente conseguiria. Ele queria e conseguiu como todos sabemos.
wellesnostradamus ceticismoIsso também mostra o quanto as especulações de que a transmissão seria um tipo de sondagem do governo americano para avaliar o impacto de tal revelação na população são, digamos, mal informadas. Ao ouvirmos a transmissão, fica claro que Welles retrata bem o tom apocalíptico do livro de Wells e que ele pretende nos deixar assustados – se estivermos levando o programa a sério. Fica difícil fazer uma sondagem desta natureza se ela quer claramente causar pânico.
Uma especulação coerente com a dramatização seria a de que nós realmente estamos sendo invadidos por alienígenas de forma hostil e que o governo estaria assim testando a população. Essa hipótese porém logo cai por terra, pois tal teste só seria eficaz se nós estivéssemos sendo invadidos de forma tão hostil quanto os marcianos de H.G. Wells. E os marcianos do livro de Wells eram uma referência ácida ao colonialismo imperialista europeu. Eles eram tecnologicamente su
periores, insensíveis e matavam humanos como moscas, interessados unicamente nos recursos naturais de nosso planeta. Acho que nós podemos estar razoavelmente certos de que isso não está acontecendo, ou você pode ver máquinas alienígenas andando por aí e vaporizando multidões?
A transmissão de ‘A Guerra dos Mundos’ por Orson Welles foi um marco histórico. Levanta grandes questões sobre a comunicação, a psicologia, a credulidade, a cultura e sobre a própria história. O engraçado é que há pouco na transmissão de Welles que seja relevante à própria UFOlogia. Era a dramatização de uma invasão alienígena altamente hostil e gritantemente óbvia que certamente não está ocorrendo, portanto não serve para especulações sobre como a população reagiria ao saber que estamos sendo visitados de forma pacífica ou pelo menos não tão hostil.
Qual seria então o impacto que a revelação de um contato teria na população? A melhor resposta para isso talvez esteja no livro ‘Contato’ de Carl Sagan. Os paranóicos de plantão, que acham que Sagan era um agente de desinformação do governo podem ler em primeira mão como ele imaginou nosso primeiro contato. Pode-se também assistir ao filme homônimo, razoavelmente fiel ao livro e que foi supervisionado em sua parte científica pelo próprio Sagan, um dos seus últimos trabalhos antes que falecesse em 1996. Se quisermos pensar sobre um contato com alienígenas, parece mais sensato falar sobre ‘Contato’ do que em ‘A Guerra dos Mundos’. Pelo menos a ‘Guerra dos Mundos’ de Orson Welles.

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