domingo, 22 de maio de 2011

CASO ROSWELL

O FBI americano lançou um novo sítio, “uma nova sala de leitura eletrônica” curiosamente batizada de “The Vault”, ou algo como “O Cofre”. Com mais de 2.000 documentos acessíveis e disponíveis para pesquisa e consulta eletrônica com alguns cliques, a iniciativa lembra muito – e alguns diriam, pode soar como uma tentativa deliberada de confundir-se com – o projeto “The Black Vault”, uma iniciativa não-governamental iniciada em 1996 disponibilizando arquivos governamentais que já foram secretos. Além de ser uma iniciativa popular de mais de uma década, o The Black Vault já acumula mais de meio milhão da páginas.
A nova e muito mais modesta versão do FBI vem chamando atenção pelos documentos relacionados a temas como OVNIs, incluindo o Caso Roswell e MJ-12, Mutilações Animais, Percepção Extra-Sensorial e muito mais. Há mesmo os arquivos do FBI de personalidades como Carl Sagan.
fbivault ufologia
A página inicial do “The Vault” do FBI já deixa claro que todos os arquivos haviam sido liberados publicamente – ainda que nem todos tivessem sido disponibilizados eletronicamente. Ainda assim, supostos especialistas em áreas como OVNIs parecem surpresos com tais documentos. São ufólogos que parecem desconhecer a ufologia, e em especial, um memorando que se destaca e tem sido citado em relação ao Caso Roswell.
Consiste de apenas uma página, de autoria do agente especial Guy Hottel em 22 de março de 1950, endereçado ao diretor do FBI, então ninguém menos que J. Edgar Hoover. O que ele diz soa bombástico:
“Para: Diretor, FBI
Data: 22 de março de 1950
De Guy Hottel, SAC, Washington
Assunto: Informação relativa a Discos Voadores
A informação seguinte foi fornecida ao agente especial XXXXX. Um investigador da Força Aérea declarou que três assim chamados discos voadores foram recuperado no Novo México. Eles foram descritos como sendo circulares em formato, com centros elevados, e aproximadamente 50 pés [15 metros] de diâmetro. Cada um era ocupado por três corpos de forma humana mas apenas 3 pés [1 metro] de altura, vestidos em uma roupa metálica de textura muito fina. Cada corpo estava enrolado de forma similar a trajes usados por [speed flyers] e pilotos de teste. De acordo com o informante Sr. XXXXX, os discos foram encontrados no Novo México devido ao fato de que o governo possui um sistema de radar muito potente naquela área e se acredita que o radar interfere no mecanismo de controle dos discos. Nenhuma avaliação adicional foi tentada pelo agente especial XXXXX relativa ao acima”.
Discos voadores acidentados? Pequenos corpos de homenzinhos em trajes metálicos? Novo México? Radares interferindo com mecanismos de controle dos discos? É natural que quem conheça a ufologia moderna lembre-se de Roswell. Ocorre que este memorando, apropriadamente, não está na pasta referente ao caso Roswell. Infelizmente não está identificada como deveria ao caso de que deriva: o Caso Aztec.

Nunca vi, sempre acreditei

Se você nunca ouviu falar do caso Aztec, mas sim do caso Roswell, é fácil colocar-se a par da história: praticamente todos os detalhes do caso Roswell são originais do caso Aztec. O disco acidentado, os destroços recolhidos e levados para a base aérea de Wright Patterson, os corpos de prováveis e pequenos alienígenas, as propriedades extraordinárias do material do disco voador, mesmo a tentativa do governo de encobrir todo o caso. Todos estes elementos surgiram não com o caso Roswell em 1947 – que só ressurgiria com estes detalhes décadas depois, quando Charles Bertliz finalmente o venderia para um grande público em 1980 – mas sim com o caso Aztec, divulgado em 1949 na coluna da revista de fofocas “Variety” de Frank Scully, que logo venderia um livro sobre o tema.
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Um dos motivos pelos quais o caso Aztec foi rapidamente esquecido é o fato de que toda a história foi criada por uma dupla de estelionatários que seriam expostos alguns anos depois. Sillas Newton circulou a história, promovendo um misterioso “Dr. Gee”, um alto cientista do governo que revelava toda a história, mas que era apenas seu comparsa, Leo GeBauer. Aqui estava o golpe: através de engenharia reversa, a tecnologia alienígena permitiria, entre tantas coisas… encontrar petróleo e ouro. Era um golpe muito antigo de vender máquinas miraculosas a investidores com muito dinheiro e pouco ceticismo, vestido com a mais recente e moderna história, a de um disco voador acidentado.
Newton e Gebauer eram golpistas convincentes, enganando muitas vítimas. Não se sabe se enganaram, ou se colaboraram com Frank Scully, porque o livro “Behind the Flying Saucers”, com todo o conto, vendeu e rendeu muito bem também ao jornalista. É aqui, finalmente, que entra o FBI, Guy Hottel e J. Edgar Hoover.
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Bill Moore rastreou como o conto dos estelionatários chegou ao memorando. Newton contou a história a George Koehler, da estação da rádio local KMYR em Denver. Koehler contou a Morley Davies, que contou aos vendedores de carro Murphy e van Horn, que contaram ao colega Fick, que contou ao editor do Kansas City Wyandotte Echo. A história chegou à mídia, mas depois deste longo telefone sem fio, Newton havia sumido da história e Koehler havia se transformado em “Coulter”. Do noticiário, o conto chamou a atenção do agente do Escritório de Investigações Especiais, que é o agente especial mencionado, e que completou o caminho de Newton a Guy Hottel. Que enviou o memorando ao diretor do FBI.
Em 1998 este memorando, já liberado, provocou certo estardalhaço enquanto alguns pesquisadores OVNI tentaram promovê-lo como prova de que a história do acidente em Aztec, a despeito do envolvimento dos estelionatários, seria real. Como se o fato de que um agente especial tivesse ouvido uma versão da história e não se interessado em investigá-la lhe conferisse alguma credibilidade. Seja como for, o memorando não é nenhuma novidade, e se o FBI não o tivesse listado como um tópico separado em seu “Cofre” eletrônico é possível que não chamasse tanta atenção. E é muito provável que seja logo esquecido outra vez, e então “redescoberto” em mais alguns anos.

Desinformação

Que a história do mais famoso caso ufológico da atualidade, o caso Roswell, tenha sua origem no conto de dois estelionatários pode soar inacreditável, mas em uma área onde os “especialistas” desconhecem a história da própria área a que se dedicam, e em que acreditam, tudo é possível. Você encontrará um livro sobre a suposta queda de discos voadores em Aztec, o próprio livro de Frank Scully, publicado em 1950, mas não encontrará livros sobre o caso Roswell publicados antes da década de 1980. Roswell era uma nota de rodapé na ufologia, conhecido por outros nomes e confundido mesmo com o próprio caso Aztec.
Mas nem tudo se resume a criticar a curta memória da ufologia.
Newton e Gebauer não inventaram a história do disco acidentado do nada. Tudo começou com uma brincadeira publicada pelo editor do jornal Aztec Independent Review em 1948 sobre um disco acidentado com pequenos homenzinhos de Vênus. Uma brincadeira jornalística, como a que circularia mesmo em uma famosa foto logo depois, inspirou os estelionatários. Se o diário de um estelionatário pode ser confiado, entretanto, Newton escreveu que após sua identidade ser revelada, ele teria recebido a visita de dois agentes do governo. Ao invés de silenciá-lo os agentes teriam lhe dito que sabiam que a história era falsa, mas que… Newton e Gebauer deveriam continuar a contá-la! Em troca, eles protegeriam a dupla. Seja a história verdadeira ou não, quando a dupla foi finalmente condenada por estelionato em 1952, receberam apenas sentenças de prisões suspensas.
E então relembramos como esta história absurda, em praticamente todos seus detalhes, seria ressuscitada em associação ao caso Roswell décadas depois. Mesmo o detalhe a respeito de sistemas de radar interferindo com discos voadores ressurgiria, e muitos o julgariam novo, ainda que estivesse lá, desde 1950, vindo direto da imaginação de um golpista condenado. Mesmo os desenhos criados em 1986 para ilustrar o caso Aztec em um livro não muito conhecido parecem ter sido inspiração direta para moldar a imagem muito conhecida da figura da Autópsia Alien em 1995, veiculada a milhões de lares em horário nobre pelo mundo.
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Repetidamente, o caso Aztec figura como um ilustríssimo desconhecido, um marcador que mancha e se sobrepõe em outros casos, sendo ele mesmo sempre esquecido. A situação lembra companhias de cartografia que inserem ruas inexistentes em seus mapas. O objetivo é localizar plagiadores: aqueles que simplesmente copiarem seus mapas, acabarão por copiar inadvertidamente as ruas inexistentes. Apenas aqueles que realmente explorarem o território saberão distinguir as ruas reais das inexistentes.
A ufologia popular reproduz com enorme ênfase os detalhes do conto do caso Aztec, a ponto das ruas inexistentes destacarem-se mais do que qualquer avenida real. Aztec é o marcador que denuncia o triste estado das lendas ufológicas. Será realmente surpresa que basta ao FBI divulgar o memorando Guy Hottel sem oferecer um contexto para que entusiastas e mesmo veículos de mídia tenham automaticamente associado-o a Roswell?
A melhor forma de suprimir uma informação não é negá-la, é deixar que ela se perca em meio a um estrondoso ruído. Como céticos, e ao expor fraudes, pretendemos diminuir o ruído e mapear um terreno desconhecido, mas as ruas inexistentes são por demais atraentes, e muitos preferirão mapas imaginários à realidade que possa existir à nossa frente.

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